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Linhas de pesquisa

O Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFF (PFI-UFF) está organizado em quatro linhas de pesquisa. Confira abaixo maiores detalhes, bem como os professores participantes.

 

Conhecimento e linguagem

A proposta de criação da linha de pesquisa “Conhecimento e Linguagem”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFF, tem como principal propósito reunir, em torno de uma mesma linha, pesquisadores cujos projetos de pesquisa concentram-se, sobretudo, nas origens da filosofia contemporânea, bem como em seus desdobramentos ao longo do século XX. As produções dos pesquisadores proponentes da presente linha reúnem-se, de longa data, em torno de temas caros tanto à filosofia da linguagem (tanto em sua face analítica, quanto em sua face pragmática) quanto à fenomenologia (com predomínio das discussões acerca do conhecimento e da retomada da metafísica). Esses campos de estudo possuem em comum, na sua origem, um mesmo ponto de partida: a crítica ao psicologismo – tendência que ganha contornos mais nítidos no último quarto do século XIX e consiste, grosso modo, na tentativa de fundamentar a lógica, a matemática e a filosofia em estados e processos psicológicos. Conforme será apresentado na justificativa, a partir da referida crítica às posições psicologistas (através da qual destaca-se a distinção entre o ato psicológico de pensar e o conteúdo ideal do pensamento), abrem-se duas linhas de investigação: a primeira tem suas bases na lógica matemática de Frege, desdobra-se na filosofia analítica da linguagem desenvolvida por Russell e Wittgenstein, e encontra, posteriormente, subdivisões que geram, dentre outros campos de estudo, a pragmática e o pluralismo lógico; a segunda surge com a fenomenologia de Husserl e terá desdobramentos na chamada “tradição fenomenológica” (Heidegger, Sartre, etc).

Se ambas as linhas de investigação nascem da crítica ao psicologismo, as discussões travadas em seu seio acerca de linguagem e conhecimento repercutirão, a partir da segunda metade do século XX, no que se convencionou chamar de “Filosofia da Mente contemporânea”. Haverá, portanto, entre os dois caminhos, guardadas as especificidades de cada qual, um mesmo ponto de origem e um ponto de chegada em comum. A constatação de tais pontos de tangência nos deu uma motivação a mais para a criação da presente linha de pesquisa.

Acrescenta-se ainda que a proposta da linha de pesquisa “Conhecimento e Linguagem” tem o objetivo de fomentar, de modo organizado e integrado, a produção (seminários, publicações, bancas, etc.) entre os professores do programa que comporão a linha em questão. Almeja-se, do mesmo modo, promover, com a criação da linha, atividades interinstitucionais entre o Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFF e os demais programas de pós-graduação, tais como, PPGF (UFRJ), PPGLM (UFRJ), PPGF (PUC-Rio), etc., aos quais se encontram vinculados alguns dos professores cujos projetos de pesquisa os aproximam da presente linha de pesquisa. Passemos, então, a uma exposição mais pormenorizada da justificação da linha de pesquisa “Conhecimento e Linguagem”.

Integrantes
Carlos Diógenes Tourinho
Danilo Marcondes de Souza Filho
Diogo de França Gurgel
Dirk Greimann
Guilherme Wyllie
Julia Telles de Menezes

 

Estética e Filosofia da arte

Embora o termo “Estética” tenha sido usado por Baumgarten em seus cursos de 1750, a definição da Estética como filosofia da arte só foi consagrada pelos filósofos alemães do início do século XIX, como Schelling e Hegel. Enquanto teoria da arte, a estética filosófica abandonou o modelo normativo da tradição de base aristotélica, segundo o qual se classificavam e avaliavam obras ou gêneros a partir de regras e princípios atemporais, válidos para qualquer época. Essa tendência normativa e classificatória predominou por séculos na tradição européia. No Renascimento e no Classicismo francês, uma certa interpretação da Poética de Aristóteles se consagra como o modelo para o tipo de teoria que constitui, ao mesmo tempo, uma resposta para a questão sobre o que é a poesia e uma instrução sobre como se deve escrever a poesia em cada um dos seus gêneros. As poéticas escritas por franceses e italianos ao longo dos séculos XVI e XVII consolidaram a tradição, e os tratados sobre outras artes, como a pintura ou a escultura, seguiram em grande medida esse mesmo modelo teórico.

Com Diderot, na França, com Hume e Burke, na Inglaterra, com Lessing e Baumgarten na Alemanha, o século XVIII indicou um outro modo de pensar tanto a criação artística quanto os parâmetros para a avaliação das obras de arte. Mas foi só depois de Kant que se consolidou, no âmbito da própria filosofia, uma concepção nova acerca da arte, assim como da relação das obras artísticas com o conhecimento ou com a reflexão filosófica. A Crítica da Faculdade do Juízo, publicada em 1790, é um marco para os futuros desdobramentos da estética filosófica. O lugar de destaque ocupado pela Terceira Crítica é indiscutível: seja porque nela os problemas estéticos fundamentais encontraram a sua formulação canônica; seja porque Kant construiu, com a índole sistemática que lhe é peculiar, uma definição do tipo de experiência que caracteriza a Estética que é distinta daquela pertinente aos âmbitos do conhecimento e da moral, mas que articula considerações relativas a esses dois domínios da filosofia; seja, finalmente, porque a obra de Kant tornou-se referência obrigatória para todos os filósofos da arte que lhe sucederam no século XIX. Nos Cursos de Estética, Hegel afirma que a terceira crítica “constitui o ponto de partida para uma verdadeira apreensão do belo artístico” e que as obras dos demais autores a serem comentados são “tentativas para preencher as lacunas da concepção kantiana da arte”.

A crítica dos filósofos idealistas a Kant, no campo da Estética, está relacionada à ideia de superioridade do belo natural sobre o belo artístico. Para Hegel, Kant considerava a beleza produzida pela arte como mera imitação da beleza das coisas naturais, estando assim em continuidade com a tradição classicista. Assim, contra a tradição e contra a estética kantiana, o filósofo idealista propõe a valorização do belo artístico, pensado como sendo superior ao belo natural. Essa proposta foi fundamental na Alemanha do século XIX, quando o Romantismo e o Idealismo conferiram à criação artística um sentido ligado à expressão de questões filosóficas fundamentais. Sobretudo a partir da Filosofia da arte de Schelling e dos Cursos de Estética de Hegel, os gêneros artísticos foram pensados não como normas atemporais, mas como manifestações históricas em que o conhecimento é apresentado sensivelmente. Para Schelling, a arte é o reflexo objetivo mais perfeito da filosofia; para Hegel, de acordo com uma proposta sistemática, “a filosofia da arte constitui um capítulo necessário no conjunto da filosofia, e é integrada a este conjunto que ela pode ser compreendida”. Assim, opondo-se tanto à tendência das poéticas classicistas, que se limitavam a classificar os gêneros artísticos de acordo com sua forma e finalidade, quanto ao privilégio do belo natural até Kant, houve uma mudança na compreensão da arte, instaurando o que foi chamado de uma “ciência do belo artístico”, ou, em outras palavras, uma estética filosófica, que encontraria sua expressão maior no sistema hegeliano.

A reflexão filosófica sobre a arte, porém, não se restringe ao âmbito da Estética filosófica moderna. A opção pelo nome “Estética e Filosofia da Arte” para esta linha de pesquisa visa justamente a chamar a atenção para esse fato. Seus integrantes ocupam-se também com momentos da história da reflexão filosófica sobre a arte que não se deixam compreender com base nas questões e temas estéticos em sentido moderno. Assim, no escopo da filosofia da arte, esses pesquisadores investigam tanto as reflexões de Aristóteles sobre temas como mímesis e catarse, quanto os desdobramentos da teoria filosófica de arte que, no pensamento contemporâneo, rompem com parâmetros e questões fundamentais da tradição estética dos séculos XVIII e XIX.

A reflexão sobre a arte praticada no século XX radicaliza duas tendências presentes nos grandes sistemas estéticos do século XIX: (1) a experiência estética, que conquistara a sua autonomia apenas no século XVIII face aos dois outros âmbitos de experiência – o do conhecimento e o da moral – aos quais sempre estivera submetida, passa a ser pensada, nas obras de filósofos tão distintos quanto Heidegger, Merleau-Ponty e Derrida, como modelo de experiência em geral, tornando-se assim ponto de partida privilegiado para uma reflexão filosófica sobre a constituição ontológica da realidade; (2) a valorização do “mundo das aparências”, cuja dignidade ontológica é restituída, implica uma valorização da história, que, rompendo com a concepção teleológica de Hegel, pensa-a como construção humana passível de ser transformada a partir da elaboração de outros modos de narrá-la, distintos daqueles que predominaram desde a invenção da racionalidade/civilização ocidental, cuja dialética é o tema central nas obras de pensadores como Benjamin e Adorno.

A radicalização dessas duas tendências nas obras dos “filósofos da arte” do século XX tem sua origem no pensamento de Nietzsche, que, embora retome em nova chave elementos presentes nas filosofias de Schelling e Hegel, por exemplo, rompe com a sua pretensão sistemática, exigindo de seus herdeiros uma reflexão sobre um outro modo de apresentação da verdade filosófica. Essa reflexão sobre a “forma da filosofia” culminará na eleição do ensaio como forma privilegiada para o exercício do pensamento contemporâneo e terá como conseqüência mais imediata uma aproximação radical da filosofia e da crítica de arte, marcando assim uma ruptura com as elaborações genéricas características dos grandes sistemas estéticos da Modernidade em nome da abordagem de obras de arte específicas.

Origina-se também em Nietzsche a percepção mais radical de que, dentro do próprio âmbito da Estética, a abordagem de certos problemas encontrava-se limitada pelos princípios que levaram originalmente à constituição dessa disciplina. Embora nunca tenha chegado, em seu período da maturidade, a desenvolver explicitamente uma teoria sistemática sobre o tema, o filósofo deixa transparecer essa preocupação em obras tais como Para uma genealogia da moral (1887), que questiona o privilégio concedido à recepção, em detrimento da criação, na Terceira Crítica kantiana. Esse espírito animou diversos pensadores, mais recentemente, a refletir criticamente sobre os fundamentos da Estética, levando mesmo à conclusão de que, como relação derivada e inessencial com a beleza, ela deveria ser integralmente superada, como foi o caso de Martin Heidegger.

Justamente a ruptura contemporânea com as questões fundamentais da Estética moderna e sua pretensão sistemática propiciam, também, uma retomada, em nova chave, mais ensaística, dos temas elaborados pela Filosofia Clássica. É verdade que, embora derivada de aísthesis, sensação ou percepção, a palavra Estética e o conceito correspondente não são encontrados na reflexão grega sobre a arte. Também é verdade que a experiência grega com a arte não delimitava um campo autônomo de objetos nem um tipo de experiência distinto dos demais. Isso não implica, no entanto, a inexistência de uma filosofia da arte na Grécia, mas sim uma especificidade histórica e conceitual que pode ser interpretada à luz de uma perspectiva distinta daquela que presidiu, na Modernidade, o surgimento da Estética como disciplina filosófica autônoma. A Poética de Aristóteles, ainda que analise particularmente a tragédia, não deve mais ser tratada horacianamente como simples manual para a composição de certas obras segundo leis atemporais, mas sim como a primeira filosofia da arte a tratar positivamente o fenômeno artístico, como algo de vital importância ética e pedagógica.

Integrantes
Alexandre da Silva Costa
Bernardo Barros Coelho de Oliveira
Patrick E. C. Pessoa
Pedro Süssekind
Tereza Cristina B. Calomeni
Vladimir Vieira

 

Ética e Filosofia política

A crer-se na Metafísica de Aristóteles, poder-se-ia atribuir a Sócrates o lugar de iniciador dafilosofia moral, ou seja, de um saber cujas condições de possibilidade repousam sobre o estabelecimento metódico, por via indutiva, de definições (ou conceitos) universais de virtudes tais como a coragem ou a justiça, por exemplo. Masde fato, como se sabe, caberá ao próprio Aristóteleso título de fundador de uma ciência moral como disciplina autônoma, com método e objeto próprios, descolada do esteio das especulações metafísicas do eidosplatônico: a ética ou ciência do éthos (compreendido em seu duplo sentido grego, de hábito, constância na ação, e também caráter). A ética aristotélica é uma autêntica ciência da práxisna medida em que subtrai o saber moral dos domínios do conhecimento teórico propriamente dito (ligados à atividade contemplativa), conferindo-lhe, por assim dizer, o lugar subordinado de um conhecimentoque é servo da atividade comunitária dos homens. Daí que a própria teoria moral, em Aristóteles, constitua uma parte de um domínio mais vasto que a engloba e a realiza naquilo que constitui o bem propriamente humano: a política.

Neste sentido, se o ensinamento socrático consistia antes em examinaros próprios homens do que os conceitos – levando-os à compreensão do que são –, e se em Platão, por sua vez, a moral socrática da virtude se convertera em uma ontologia do Bem, caberá a Aristóteles circunscrever o bem propriamente humano a partir da dupla definição do “homem” como zôon politikón e zôon lógon ékhon, isto é, um ser que atinge sua finalidade própria na vida política e na faculdade da linguagem, vinculada à lei comum e não tanto aos sons da fala (ao passo que cabe à voz animal significar o prazeroso e o doloroso, cabe ao logos humano mostrar o vantajoso e o danoso, o justo e o injusto).

Desde então, da moral socrático-platônica à delimitação do estatuto político do ser humano na filosofia prática de Aristóteles, as relações entre a filosofia e suas pretensões à verdade, a ciência moral (ou ética) e a política, bem como entre a vida contemplativa e a vida ativa (e mesmo na obra do estagirita, a palavra final concerne ao elogio do bíos theoretikós), não deixaram de suscitar uma miríade de questões que acabaram por forjar os instrumentos conceituais de nosso pensamento moral e político e de informar nossas práticas comuns. Portanto, a ter-se em conta a história das recepções de nossa tradição de pensamento moral e político, constitui um capítulo particularmente importante o prolongamento, já na antiguidade tardia, do elogio à vida contemplativano De civitate Dei agostiniano, ou ainda, em Contra os Acadêmicos, o ataque de Agostinho aos princípios do ceticismo acadêmico de Arcesilau e Carnéades. Tais elementos moldaram, para o medievo, a ideia comum de que a atividade dignamente humana, a mais elevada, deveria ter em conta o imperecível reino do cristianismo em lugar da vulnerável cidadela mundana, articulando-a a elaboração de uma teoria da iluminação divina.

Neste sentido, o neoplatonismo agostiniano prolonga uma tradição que conhecerá seu revés apenas no primo Quattrocentto, momento em que os tradicionais modelos de vida das sociedades medievais, baseados no elogio à vida contemplativa, serão abalados, entre outras razões, pela “redescoberta” dos clássicos da antiguidade (sobretudo dos escritos políticos do cônsul romano Marco Túlio Cíceropelo pensador humanista Francesco Petrarca), contribuindo decisivamente para a recuperação da dignidade e centralidade da vida dedicada aos assuntos da política. Quanto ao ceticismo, cujas fontes também seriam recuperadas pelo humanismo renascentista, sua reermegência, após aproximadamente um milênio de seu desaparecimento, encontrará um de seus solos mais férteis na apropriação do pirronismo e do ceticismo acadêmico realizadas por Michel de Montaigne, dando lugar a um ceticismo moral que terá na oposição entre “cultura” e “natureza” a sua pedra de toque. Ademais, a descoberta do Novo Mundo e os primeiros contatos entre europeus e nativos dos novos territórios conquistados levantará questões relativas à importância dos costumes na constituição dos valores morais e acerca do direito de conquista, envolvendo autores tais como Bartolomé de las Casas e Francisco de Vitória, ambos do século XVI.

A este mesmo panorama, dever-se-ia acrescentar, ainda, o impacto proporcionado pela obra de Nicolau Maquiavel, herdeiro do humanismo cívico renascentista, cujo pensamento recolhe as consequências de um longo processo de laicização da razão política: a autonomia conferida à atividade política por parte do autor de O príncipe representa a sua emancipação de todo o horizonte teológico e moral do regimen cristão, constituindo já uma moderna ciência política, quer dizer, um saber emancipado de todo sistema especulativo, no qual o Estado constitui uma fundação absoluta e a coisa mesma da política.

De modo diverso, pode-se considerar que a modernidade de nosso pensamento político virá à lume apenas no século XVII, em especial na figura de Thomas Hobbes, quando as noções aristotélicas centrais do zôon politikón e da koinônia politikè – compreendida esta última, a comunidade política, como o télos ou finalidade do ser humano na sua condição de animal político – serão significativamente abaladas em favor de uma teoria constitutiva da soberania política e do direito natural e civil. Assim, autores tão diversos quanto o próprio Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant, para ficarmos apenas nos mais célebres, possuem em comum a rejeição à ideia aristotélica de koinônia politikè (a comunidade política compreendida como um dado natural) para cerrarem fileiras na afirmação de que a sociedade civil, ou política, é o produto artificial de um pacto civil ou um contrato social por meio do qual os homens saem de sua natural situação deapoliticidade.

Mas se a modernidade de nosso pensamento político se encontra na articulação entre uma teoria da soberania e uma ciência do direito que, conjugadas, se dirigem a uma justificação do Estado (fundamento último do poder político) com vistas à justificação do próprio dever de obediência, em termos de nosso pensamento moral a ética por excelência dos tempos modernos é o formalismo kantiano. Com Kant, como sabemos, a execução do programa filosófico transcendentaldesaguará em uma moral deontológica na qual as leis objetivas a priori da razão prática são identificáveis à esfera dos deveres incondicionados sob a forma do imperativo categórico, em uma radical afirmação da autodeterminação do sujeito e da independência da vontade que encontrará em Friedrich Nietzsche e Karl Marx dois de seus desafios mais explosivos, – o primeiro contraria a ideia kantiana de uma vontade pura determinada pela razão e concebe o terreno da Sittlichkeitcomo lugar paradigmático tanto da crítica dos valoresmorais tradicionalmente consagrados como da criação de novos valores capazes de afirmar e incrementar a vida, único critério de avaliação do valor dos valores; o segundo, por seu turno, “desmascara” o formalismo da moral kantiana como falsa universalidade que naturaliza a dominação de classe elevando ilusoriamente o indivíduo burguês à condição de um universal abstrato.

Do jogo de influências e articulações ao redor do legado de nossa história e de nossas práticas de pensamento, é possível divisar algumas das opções que caracterizam os impasses da ética e da política no pensamento contemporâneo. Assim, por exemplo, pertencem à ambiência contemporânea, entre outras tendências:

(a) as tentativas recorrentes de um aprofundamento da crítica ao “império da razão”, ou da denúncia de uma razão degenerada em racionalidade planificadora, por meio da aproximação das démarches de Nietzsche, Marx e Sigmund Freud, no sentido de mostrar que seus respectivos procedimentos de desmistificação – sob a forma da genealogia da moral, da crítica à lógica capitalista e da clínica – constituem o solo de nossa crescente desconfiança com relação aos ideais de autonomia, liberdade, individualidade e universalidade (a esta iniciativa, em graus diversos e em uma variedade de combinações, reúnem-se Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari e, de maneira geral, a primeira geração da chamada Escola de Frankfurt);

(b) os esforços de revalidação do autêntico sentido do “marxismo de Marx” para fins de recuperação do potencial de sua crítica política e de seu projeto de revolução social, levados à cabo em especial contra o stalinismo e as formas adstringidas de um pseudo-marxismo que esteriliza e reifica a dialética para fins repressivos e/ou apologéticos, desaguando em um dogmatismo e um materialismo economicista vulgar ou naturalista (como é o caso das polêmicas envolvendo as obras de György Lukács, Jean-Paul Sartre, Raymond Aron e Louis Althusser);

(c) em oposição à derrogação da razão esclarecida e de seus ideais emancipatórios, um conjunto de tentativas que pretendem insistir na validade de projetos éticos e políticos em alguma medida aparentados às aspirações do universalismo kantiano e ao conceito normativo de esfera pública com vistas ao estabelecimento de uma razão pública pós-secular (linhagem a qual pertencem, entre outros e a despeito de suas perspectivas de todo não coincidentes, Jürgen Habermas e John Rawls);

(d) aqueles que procuram um retorno às experiências e aos dispositivos operatórios da antiguidade e/ou da tradição teológica – seja a partir da compreensão do tempo presente como espaço de esquecimento da política, seja por meio do estudo genealógico das categorias clássicas do direito e da teologia – para então alinhavarem uma crítica de nossa modernidade que procura revelar os aspectos paradigmáticos de nossa cultura institucional e de nossas práticas políticas (como é o caso, respectivamente, das obras de Hannah Arendt e de Giorgio Agamben);

A este resumido mapa do pensamento ético e político contemporâneo, que não pretende encerrar a questão e nem constituir-se em esquema rígido, poder-se-ia ainda acrescentar as intuições centrais deMartin Heidegger (com sua analítica do Dasein e a temática do impessoal), Walter Benjamin (em especial com relação ao tema da reine Gewalt), Carl Schmitt (com sua teoria decisionista da soberania) e os já citados Foucault e Deleuze (com as tópicas da micropolítica, da disciplina e das sociedades de controle, da biopolítica e da estética da existência), entre outros.

Neste sentido, e como será explicitado a seguir, os proponentes desta linha de pesquisa pretendem circunscrever suas investigações a partir de eixos temáticos nos quais a tradição e seu diálogo com a contemporaneidade sejam recolhidos como o depositário crítico de nosso tempo.

Integrantes
André Constantino Yazbek
Carla Rodrigues
Celso Martins Azar Filho
Danilo Marcondes de Souza Filho
Felipe de Oliveira Castelo Branco
Fernando de Sá Moreira
Mariana de Toledo Barbosa
Tereza Cristina B. Calomeni

 

História da filosofia

A importância do estudo da história da filosofia pode ser abordada em diferentes níveis. No mais básico: não é possível simplesmente fazer filosofia hoje sem alguma remissão à História da Filosofia. A consciência aguda do caráter de herança do material filosófico que ainda ocupa o filósofo atual tornou-o um elemento incontornável. A própria filosofia em sua pluralidade de formas irredutíveis umas às outras é antes a unidade de um nome grego antigo decalcado no latim, e daí decalcado em todas as línguas modernas europeias, e que ecoa há mais de dois milênios. Não existe especulação filosófica que não parta das conquistas e problemas herdados da tradição filosófica. Conhecer a história da filosofia é condição fundamental para o filósofo que busca fazer avançar o conhecimento filosófico, tanto quanto conhecer o estágio atual da investigação dos problemas e autores de seu domínio.

Num segundo nível, a própria história da filosofia pode se tornar para o filósofo um objeto de investigação em si mesmo, seja em prol de uma reflexão genérica de filosofia da história (toda história da filosofia pressupõe uma filosofia da história), seja pelo surgimento inevitável de múltiplos problemas específicos, datados e localizados, de filiações, transmissões, influências, interpretações, apropriações, assimilações, sínteses, sincretismos, ressignificações, réplicas, traduções, versões, edições, citações, paráfrases, glosas. A partir de um determinado momento toda questão pontual de filosofia torna-se uma questão de legado histórico.

Num terceiro nível, “história da filosofia” remete ao conteúdo de um legado específico, aquilo que para o ocidental moderno e contemporâneo é em si mesmo “história”, é em si seu passado, embora um passado vigente de muitos modos, e por isso mesmo interessante. O legado greco-latino, cujo estudo tradicionalmente se entende por “humanidades” e em torno do qual o Ocidente sempre orientou suas práticas de ensino e aprendizagem, deve ser ele mesmo objeto de constante estudo e de constante transmissão, para que continue vivo na cultura hodierna, a auxiliá-la em seus desafios presentes e futuros, inclusive os de superação do eurocentrismo, de que é ele mesmo fundamento.

O início desse legado aponta inevitavelmente para Homero, de quem Platão diz em tom proverbial que “educou a Grécia”. E toda a questão da irrupção da primeira filosofia permanece sempre ligada à da poesia arcaica e clássica, à homérica, à hesiódica, à lírica, à trágica, à cômica. Essa pluralidade de primeiros filósofos se deixa organizar numa série de filiações e escolas, mas também em bloco, como, por exemplo, enquanto “pré-socráticos”, desde que se confira a Sócrates uma posição especial de divisor de águas. Mas Sócrates pode ser visto também como apenas mais um elo do tronco jônico, um discípulo de Arquelau, do círculo de Anaxágoras. O que enseja a possibilidade de se propor diferentes esquemas de enquadramento dos múltiplos filósofos dos séculos VI, V e IV a. C, conforme a diferença de tratamento das fontes históricas.

Além disso, Sócrates também pode ser visto como esse pré-socrático específico, que é o sofista, professor da juventude destinada à política, com seu discurso persuasivo todo próprio, contemporâneo de outros grandes sofistas, cuja importância na vida cultural de sua época Platão registra em seus diálogos, tanto quanto sua devoção a Sócrates. Talvez a sofística seja a boa divisora de águas entre a física anterior e a reação posterior de Platão e Aristóteles, cujas filosofias só são bem compreendidas, se entendidas como réplicas à sofística.
De todo modo, Sócrates também é um bom candidato a divisor de águas pelo lado da filosofia posterior. A Academia de Platão pode ser considerada apenas uma das várias escolas socráticas, a que tem a melhor fortuna quanto à transmissão do legado, e da qual ainda se desdobra o Liceu e a tradição peripatética, mas várias outras escolas, menos afortunadas naquele quesito aos olhos do historiador moderno, e, por isso, chamadas por ele de “socráticas menores”, também reivindicam a paternidade socrática. De duas delas, pelo menos, a cínica e a cirenaica, florescem duas das mais importantes tradições do período helenístico, a estoica e a epicurista. Também a tradição cética se liga a uma escola socrática, a megárica, que radicaliza de Sócrates o método dialético, produtor das antíteses que o cético utilizará em seus argumentos.

As cinco tradições que deslancham na aurora do período helenístico, Academia, Liceu, Pórtico, Jardim e tradição pirrônica, ainda sob o império alexandrino, varam o período romano, e conhecem todo tipo de transformação, conforme às peculiaridades históricas de cada momento. Cada uma dessas tradições conhece uma fase antiga (em Atenas), uma média (em Rodes, Pérgamo, Alexandria), uma nova (em Roma), uma parte falando grego até o final, outra falando latim, uma parte restando pagã até o final, outra parte cristã em sua fase tardia, embora ambas neoplatônicas por fim.

É desse universo cultural complexo que provém o léxico e a gramática de toda filosofia ulterior. O processo de surgimento e crescente prevalência do cristianismo, enraizado no mundo antigo, e que culminará no medievo cristão, é exemplar dessa complexidade, já que nesse processo esse léxico e essa gramática greco-latinos são absorvidos por um movimento escatológico da tradição judaica, marcado pela ruptura da vinda do suposto messias, formando uma tradição eminentemente teológica, isto é, racional. O cristianismo, em seus primeiros séculos, tem a necessidade de discutir com a elite dominante do império romano para se estabelecer enquanto alternativa religiosa legítima. Além do claro sincretismo religioso que se opera no nascimento do cristianismo, é através de uma radical tentativa de racionalização dos dogmas de sua fé que o cristianismo cunha seus sistemas lógicos, éticos, físicos e metafísicos. Assim, não se pode pensar em religião cristã sem se pensar em teologia cristã (investigação racional de Deus e da fé), assim como não se pode pensar em teologia cristã sem se pensar em Platão, em Aristóteles, nos Estoicos e na filosofia helenística em geral, na influência árabe na reintrodução do aristotelismo no Ocidente, na influência judaica operada no Medievo para além do grande sincretismo entre os troncos greco-romano e hebraico-cristão operado desde a Antiguidade. Nesse sentido, a investigação filosófica medieval necessita de um diálogo profundo com suas influências históricas.

Ademais, é por este diálogo que, por um lado, o Medievo mantém viva a tradição antiga e, por outro, cria-se tanto a própria ideia da Antiguidade como a de uma “idade média” separando a cultura antiga de sua revivescência na protomodernidade: o Renascimento significa a elaboração do grande eixo histórico pelo qual continuamos a pensar o desenvolvimento da tradição ocidental, em jogos de aproximações e afastamentos, continuidades e rompimentos, os quais só fazem sentido em relação uns aos outros e ao solo ideológico do qual brotam, muito embora suas narrativas sejam ainda amiúde por nós percebidas como gestas, como arquetípicas e instauradoras. Mas se a filosofia antiga é apropriada e instrumentalizada pela filosofia cristã, se o latim ou a arquitetura medievais serão acusados de barbárie na Renascença, e a Modernidade busca corrigir a falta de praticidade e método dos saberes renascentistas, é preciso lembrar que foi o processo de recepção aí em curso que manteve vivas as forças culturais envolvidas: a transmissão é constituição; o clássico é, enfim, a ficção da origem e do modelo, porém não se deve descurar seu valor de verdade como sintoma das profundas e poderosas correntes espirituais que nos portam e fazem nossa história.

Vê-se, portanto, que desde Platão e Aristóteles, os primeiros historiadores da filosofia (e, não apenas como anedota, já se chamou ao último de primeiro neoplatônico), a prática filosófica é inseparável de uma consideração metadiscursiva e diacrônica de seu próprio fazer, e que a operação hermenêutica característica do filosofar em qualquer tempo e lugar não pode prescindir de uma operação complexa de desconstrução das diversas camadas de interpretação sobrepostas ao longo da história, tarefa para qual o cultivo explícito dos estudos humanísticos no interior da academia colabora sobremaneira.

Em nosso programa, um grupo de professores se detém em investigações de natureza histórico-filosófica, estudando não apenas autores e escolas de um período histórico determinado em sua dimensão sincrônica, como também as questões relativas ao processo de legado e apropriação em sua dimensão diacrônica.

Assim, em sua pesquisa atual, o professor Alexandre Costa estuda a relação entre a mitopoética grega e os escritos dos primeiros filósofos, visando a tornar claro o diálogo literário entre filósofos e poetas na Antiguidade arcaica e clássica, de Homero a Platão e Aristóteles, passando pelos Pré-socráticos e os sofistas. Luís Felipe Bellintani Ribeiro trabalha temas ligados à metafísica antiga, notadamente Platão e Aristóteles, e ao que lhe apareceria como contraponto ou antípoda: a física pré-socrática, a sofística, a tragédia, a filosofia dos socráticos menores. Marcus Reis Pinheiro estuda autores do período helenístico, como os Estoicos, assim como autores neoplatônicos pagãos, como Plotino, e cristãos, como Orígenes e Evágrio, inserindo-os na tradição grega clássica. Guilherme Wyllie desenvolve sua pesquisa centrada em elementos lógicos que fundamentam a metafísica e a teologia em Ramon Llull, visando ao preenchimento de uma importante lacuna na história da lógica medieval, compreendida segundo a perspectiva das teorias contemporâneas da linguagem. O professor Paulo Faitanin, por sua vez, estuda o tomismo não só em sua configuração no pensamento medieval, como também em suas relações, seja com a obra de Aristóteles, no mundo antigo, seja com aquilo que se poderia chamar de tomismo atual. O professor Celso Azar trabalha com autores do Renascimento para definir em quais sentidos pode-se falar de uma filosofia renascentista e assim reencontrar seu lugar na história do pensamento ocidental. Já o professor Pedro Sussekind pesquisa as influências filosóficas do estoicismo, do maquiavelismo e do ceticismo moderno na obra de William Shakespeare.

Integrantes
Alexandre da Silva Costa
Alice Bitencourt Haddad
Celso Martins Azar Filho
Fabrina Magalhães
Guilherme Wyllie
Luis Felipe Bellintani Ribeiro
Marcus Reis Pinheiro
Pedro Süssekind

O Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PFI) integra o Instituto de Ciência Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense e oferece mestrado acadêmico na área de filosofia. O programa congrega dezoito docentes, entre membros permanentes e colaboradores, distribuídos em duas linhas de pesquisa: "Estética e filosofia da arte" e "História da filosofia". Os processos seletivos de ingresso ao mestrado têm lugar anualmente entre o primeiro e o segundo semestres letivos.
 
Pós-Graduação em Filosofia
Campus Gragoatá
R. Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n.
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